Às vezes, o mundo continua igual, mas algo dentro parece ter mudado. Uma distância silenciosa se instala sem pedir permissão.
Quando tudo parece perto, mas você se sente longe
Tem dias em que é difícil dizer o que está diferente. Você acorda, faz o que precisa, responde mensagens, cruza com rostos conhecidos. Por fora, tudo continua igual. Por dentro, alguma coisa parece ter se deslocado. Uma sensação estranha, como se a sua presença no mundo tivesse ficado um pouco mais leve, mais esmaecida. Não dói exatamente, mas também não é neutro. É só... vazio. Um silêncio que não traz paz.
Talvez você se pegue tentando encontrar uma causa. “Deve ser o cansaço”, “é só a rotina”, “vai passar”. E talvez passe. Mas, ao mesmo tempo, algo insiste em ficar. Uma névoa que cobre o entusiasmo, um peso que não se explica com facilidade. E por mais que você continue se levantando, trabalhando, rindo nas horas certas, tem uma parte que permanece calada, como se estivesse esperando por algo que você não consegue nomear.
Você já tentou colocar isso em palavras, mas elas não dão conta. Como contar pra alguém que o problema não é exatamente algo que aconteceu, mas sim algo que foi se apagando com o tempo? Como explicar que você se sente ausente mesmo quando está cercado de gente?
A vida não parou. Os dias continuam. Há compromissos, obrigações, notificações no celular. Você responde. Você entrega. Você se adapta. Mas, no fundo, existe essa desconexão. Como se as coisas tivessem perdido um pouco da cor, do gosto, do sentido. Não é que nada importe — é só que nada toca do jeito que tocava antes.
E tudo isso acontece em silêncio. Você não quer incomodar. Não quer parecer frágil. Não quer que perguntem mais do que você sabe responder. Então você guarda. Você administra. Você tenta seguir.
Às vezes, você sente que está exagerando. Que devia estar grato, mais leve, mais animado. Mas a verdade é que nem sempre existe uma lógica pra o que se sente. E não sentir nada também é sentir alguma coisa. Ignorar isso não apaga. Apenas adia.
Você já tentou se distrair. Já tentou dormir mais, ou dormir menos. Já se culpou por não conseguir reagir. E já pensou, mais de uma vez, se talvez isso seja apenas uma fase — ou se já virou parte de quem você é. E essa dúvida, silenciosa e constante, pesa.
Mesmo assim, você continua. E isso já diz muito. Porque seguir em frente, mesmo com tudo isso dentro, exige força. Uma força que quase ninguém vê. Uma força que não aparece nas redes sociais, que não vira conversa de bar, que não ganha elogios. Mas ela está aí. E ela conta.
Talvez você esteja lendo isso agora com aquele aperto familiar no peito. Não forte o suficiente para ser um grito, mas presente o bastante para ser reconhecido. Um desconforto silencioso, que não exige, mas insiste. Que não causa alarde, mas te acompanha.
E se você chegou até aqui, talvez seja porque uma parte de você está tentando escutar. Sem pressa. Sem pressão. Apenas tentando entender. E, às vezes, isso já é um começo.
Nem tudo precisa ser dito em voz alta. Nem todo incômodo precisa ter um nome exato. Mas perceber que existe algo dentro de você que não está doendo à toa — isso importa. Prestar atenção no que silencia também é uma forma de cuidado.
A gente aprende a seguir em frente. A fazer o que é esperado. Mas, às vezes, também é preciso parar por um momento e reconhecer: “tem algo aqui que precisa ser olhado”. Não pra resolver tudo de uma vez. Só pra não ignorar o que já está tentando ser ouvido.
E se, nesse instante, você sentiu que isso faz sentido — mesmo que um pouco — talvez isso já seja o bastante. Não uma solução, não uma resposta. Mas uma pausa. Um espaço. Um gesto pequeno de escuta.
E isso, por si só, já é um passo.
Nem sempre a gente percebe quando esse vazio começou a crescer. Às vezes ele chega devagar, nos detalhes pequenos: uma mensagem que você deixa sem resposta, uma conversa que não prende mais atenção, um encontro que parece mais obrigação do que vontade. E aos poucos, o que antes era simples vai ficando pesado. O que antes era leve vira tarefa. O que antes trazia alegria vira silêncio.
Você olha ao redor e vê pessoas rindo, seguindo, fazendo planos. E, mesmo que você deseje acompanhar, algo dentro parece estar alguns passos atrás. Não é inveja, não é tristeza clara — é só uma sensação constante de estar meio fora de lugar. De estar presente, mas não inteiro.
Talvez você ainda consiga se distrair. Talvez existam momentos em que tudo parece normal. Mas eles passam rápido, como uma brisa que não consegue ficar. E o que sobra é aquela mesma sensação de vazio, como se você estivesse esperando por algo que nem sabe o que é.
E tudo isso pode acontecer mesmo quando há carinho por perto. Mesmo quando há afeto, apoio, rotinas boas. Porque nem sempre a ausência vem de fora. Muitas vezes, ela nasce dentro. E isso pode ser difícil de aceitar.
Você não está sozinho por sentir isso. Muitas pessoas passam por períodos assim e nem sempre falam sobre isso. Não por falta de coragem, mas porque não sabem por onde começar. E tudo bem também não saber. Às vezes, só perceber já é muito.
Se você está aqui, lendo, talvez seja porque alguma parte sua está pedindo um tempo. Não um tempo para resolver tudo, mas um tempo para escutar. E escutar a si mesmo é, muitas vezes, o passo mais silencioso e mais importante.
Não existe uma forma certa de sentir. Não existe uma medida exata para o que é “grave” ou “leve”. Existe o que você sente. Existe o que tem habitado seus dias. Existe o que ficou preso no peito e agora começa, aos poucos, a querer espaço.
E talvez, só talvez, reconhecer isso já seja uma forma de cuidado. Mesmo que ninguém veja. Mesmo que pareça pequeno. Porque às vezes, tudo começa assim — com um olhar mais atento para dentro. Com uma pausa honesta. Com uma respiração mais lenta.
E isso já pode ser o início de algo novo.